A caracterização é um dos processos fundamentais da produção dramatúrgica. Mas, em geral, só chama a atenção do grande público quando trabalha com personagens especiais. Esse é o caso, por exemplo, de Saramandaia. O remake assinado por Ricardo Linhares é baseado no realismo fantástico de Dias Gomes. Por isso, conta com diversos componentes surreais em seu enredo, como a Dona Redonda, de Vera Holtz, que explode de tanto comer; o professor Aristóbulo, de Gabriel Braga Nunes, que se transforma em lobisomem; e o ancião Tibério, de Tarcísio Meira, que cria raízes por não sair de casa. "Esses personagens marcaram toda uma geração que assistiu à novela e agora despertam a curiosidade de quem não assistiu", acredita o autor.
Para tirar esse tipo de personagem bizarro do papel, a direção contou com um intenso trabalho dos profissionais responsáveis pela caracterização. A ideia era ressaltar o lado exótico de cada um, sem lhes tirar a veracidade. Além da preocupação com a maquiagem, o figurino e o cabelo de cada papel, a equipe liderada por Marcelo Dias pensou nas melhores soluções para cada ator. No caso de Vera Holtz, era preciso deixá-la com um tamanho exuberante, mas de forma que os adereços usados não prejudicassem sua atuação. Foi, então, criado uma espécie de preenchimento mais leve e maleável para não comprometer seus movimentos. O resultado foi uma Dona Redonda com uma circunferência digna de seu nome. "A melhor opção foi escolher um tecido espumoso aerado para distanciar o corpo da Vera da prótese que ela veste", explicou Marcelo Dias.
Na Record, esses personagens fantasiosos permearam a saga Os Mutantes (2008), de Thiago Santiago. Com referências de ficção científica, as histórias tinham como protagonistas seres resultantes de mutações genéticas. Sob o olhar de Emílio Reck, o setor de caracterização da trama optou por começar a desenvolver os papéis a partir dos poderes sobrenaturais que eles apresentavam. E foi através dos detalhes que conseguiram estruturar a obra como um todo. "Para chegar ao resultado final de cada personagem, foi preciso muita pesquisa e estudo sobre cada um deles e o que seus poderes representavam", relembrou Emílio.
Outra vertente da caracterização que atrai a curiosidade do público é o envelhecimento. Em 1999, o telespectador viu Regina Duarte ganhar idade diante de seus olhos na pele de Chiquinha Gonzaga, personagem-título da minissérie de Lauro César Muniz. Na época, com técnicas menos avançadas, a atriz levava uma média de cinco horas por dia para colocar a máscara de silicone que a deixava com a aparência de uma idosa. Atualmente, apesar do "high definition" deixar os detalhes estéticos mais visíveis, fazer o intérprete ganhar idade diante das câmaras ficou mais fácil. A evolução desse processo pode ser observada nas minisséries bíblicas da Record. Desde Rei Davi, de 2012, a emissora tem desenvolvido técnicas para acentuar a velhice do elenco de suas produções. Em José do Egito, o processo chegou a outro nível. Sabendo que seriam usados recursos cinematográficos nas gravações, o diretor de caracterização da emissora resolveu buscar uma alternativa hollywoodiana. "Como no Egito ninguém usava barba na época em que a trama se passa, ficou mais difícil fazer a passagem de tempo. Então, apostamos em um processo de envelhecimento inovador, usado no filme O Curioso Caso de Benjamin Button (2008), que aplica uma matéria na pele do ator e ressalta esse aspecto envelhecido", entregou Vavá Torres.
Já a caracterização de produções voltadas para o público infantil requer uma dedicação à parte. Com histórias lúdicas e papéis extremamente caricatos, as equipes que atuam na área podem soltar a criatividade na hora de desenvolver o perfil estético de cada papel. Dois exemplos clássicos, mas de gerações diferentes, são o Castelo Rá-Tim-Bum, da TV Cultura, e o Sítio do Picapau Amarelo, da Globo. Adorado pelas crianças na década de 1990, o castelo de Nino recebia a visita de inúmeros seres mágicos, mas com a vantagem de serem todos personagens originais, assim deixando os profissionais livres para abusar de cores, pinturas corporais e apetrechos exóticos em suas fantasias. Diferentemente da série inspirada na obra de Monteiro Lobato, que teve duas versões televisionadas, primeiro em 1986 e depois em 2001. Na mais recente, houve uma preocupação em preservar a essência visual que se mantinha na memória afetiva do público, mas buscando outras referências para os protagonistas. "Optamos por trazer mais ingenuidade aos personagens na segunda versão da série, então buscamos isso no lirismo da década de 1950", enfatizou Helena Araújo, coordenadora da equipe de figurino do programa.
Além das aparências
Muitas vezes, apenas a caracterização, por mais completa que seja, não é suficiente para ilustrar todos os aspectos de um personagem. Nesses casos, a direção recorre ao uso dos efeitos especiais para complementar os detalhes que faltam na produção. Em Saramandaia, o ex-prefeito Zico Rosado e o farmacêutico Cazuza, interpretados por José Mayer e Marcos Palmeira, se destacam. O primeiro por ser frequentemente incomodado por formigas saindo de seu nariz e o segundo por colocar o coração pela boca quando exaltado. "Esse tipo de efeito visual inserido na trama na etapa da edição é muito desafiador para o ator. Porque ele precisa interagir com esse mundo virtual sem o sentir ou enxergar enquanto grava a cena", argumentou Fabrício Mamberti, diretor-geral da novela.
Os mutantes de Tiago Santiago também abusaram da computação gráfica. Muitos personagens tinham seus poderes revelados com a ajuda dos efeitos especiais, como a mulher-aranha vivida por Natália Guimarães, que ganhava longas pernas aracnídeas ao se sentir ameaçada. "A diferença de usar efeitos como esse é que requer um grau de planejamento mais detalhado que as sequências normais", analisou Alexandre Avancini, diretor do folhetim.
Instantâneas
# Para o processo de envelhecimento de Regina Duarte em Chiquinha Gonzaga (1999), a Globo contratou o profissional David Dupuis, maquiador renomado de Hollywood.
# Em Saramandaia, os atores Vera Holtz, Gabriel Braga Nunes e Sergio Guizé tiveram seus corpos escaneados para a produção de próteses.
# A segunda versão de Sítio do Picapau Amarelo optou por deixar de lado o boneco mecânico usado para dar vida à personagem Cuca e fazê-la com base em maquiagem.
# Tarcísio Meira teve de implantar 250 tufos de cabelo para as cenas de Bóris na Idade Média, em O Beijo do Vampiro.
Fonte: Terra
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