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segunda-feira, 1 de abril de 2013

Dia da Mentira

- Espere – disse Emília. – O escrevedor de memórias vai escrevendo, até que a morte vem vindo. Então para; deixa o finalzinho sem acabar. Morre sossegado.

- E as suas memórias vão ser assim?

- Não, porque não pretendo morrer. Finjo que morro,só. As últimas palavras têm de ser estas: “E então morri…”, com reticências. Mas é peta. Escrevo isso, pisco o olho e sumo atrás do armário para que Narizinho fique mesmo pensando que morri. Será a única mentira das minhas memórias. Tudo mais verdade pura, da dura- ali na batata, como diz Pedrinho.

Dona Benta sorriu.

- Verdade pura! Nada mais difícil que a verdade, Emília.

- Bem sei – disse a boneca. – Bem sei que tudo na vida não passa de mentiras, e sei também que é nas memórias que os homens mentem mais. Quem escreve memórias arruma as coisas de jeito que o leitor fique fazendo alta ideia do escrevedor. Mas para isso ele não pode dizer a verdade, porque senão o leitor fica vendo que era um homem igual aos outros. Logo, tem de mentir com muita manha, para dar ideia de que está falando a verdade pura.

Dona Benta espantou – se de que uma simples bonequinha de pano andasse com ideias tão filosóficas.

- Acho graça nisso de você falar em verdade e mentira como se realmente soubesse o que é uma coisa e outra. Até Jesus Cristo não teve ânimo de dizer o que era verdade. Quando Pônico Pilato lhe perguntou: Que é a verdade”, ele, que era Cristo, achou melhor calar – se. Não deu resposta.

- Pois eu sei! Gritou Emília. – Verdade é uma espécie de mentira bem pregada, das que ninguém desconfia. Só isso.

Dona Benta calou – se…

Trecho retirado do livro Memórias de Emília, Editora Globo

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