NA ÚLTIMA sexta-feira, muito apropriadamente um Dia da Criança, retornou ao vídeo o "Sítio do Pica-Pau Amarelo". Motivo de comemoração, mas também de uma certa tristeza: ao contrário das versões elaboradas anteriormente para as histórias concebidas por Monteiro Lobato, o novo "Sítio" não será propriamente um programa em si, mas apenas um quadro de um quarto de hora nas manhãs televisivas.
O importante, no entanto, é que tenha voltado e que se possa, aqui, refletir um pouco sobre a relação criança/televisão e a importância de José Bento Monteiro Lobato (1882-1948), tanto para essa relação (por intermédio de suas obras adaptadas) quanto para a formação de mais de uma geração de brasileiros, que usaram e abusaram do direito de fantasiar a partir das possibilidades fantásticas oferecidas pelo escritor.
Isso desde muito antes, diga-se, de a TV vir a ser uma realidade, já que a primeira versão do livro "A Menina do Narizinho Arrebitado", editada pelo próprio Lobato, um dos pioneiros da editoração nacional, é de 1921.
Para muitos, esse verdadeiro relacionamento com tudo aquilo que saía da mente fértil de Lobato dedicado aos jovens leitores se fortaleceu com a popularização da televisão no Brasil, e isso não é propriamente um paradoxo, embora possa parecer. Afinal, quanta gente terá sido estimulada a conhecer o universo lobatiano pela primeira versão do "Sítio", que foi ao ar pela extinta TV Tupi desde o início da década de 50 ao começo da de 60?
Muita, inclusive eu.
Foi a partir das peripécias improvisadas (ao vivo!) pela "Emília" Lúcia Lambertini que veio o carinho por aquele mundo de ilusões, ampliado pelo livro "A Reforma da Natureza", lido, relido, mais que lido durante infância, adolescência e alguns anos atrás.
Uma maravilha, sem dúvida, todas as maluquices concebidas por Emília/Lobato. Divertidíssimas: da leiteira que apitava para avisar que o leite estava fervendo, evitando assim que o líquido transbordasse (artefato que, aliás, veio a ser "inventado" muitos anos depois) à criação da noventaenovepéia, ou seja, a centopéia com uma perna a menos, por arte da boneca de pano de tantas e tão variadas traquinagens.
Numa passagem do livro, Emília fica inconformada com o fato de uma árvore forte e frondosa como a jabuticabeira produzir uma fruta tão pequenina, enquanto o frágil pé de melancia, com seu caule e folhas delicados, era obrigado a sustentar a fruta gigantesca. Mas bastou uma jabuticaba cair sobre sua cabeça para ela mudar rapidinho de idéia de fazer mais aquela reforma na ordem natural das coisas e trocar as frutas de árvore.
O mais delicioso das histórias em livro -assim como todas as histórias em livros- era poder ficar imaginando todas aquelas impossibilidades reais acontecendo nas fronteiras do sítio concebido por Lobato. Nas narrativas de Dona Benta, nas invencionices de Emília ou no dia-a-dia de qualquer um daqueles personagens, o céu era o limite, tudo era possível, tudo podia acontecer.
E acontecia mesmo na cabeça da criançada de uma época que parece estar a anos-luz dos avanços tecnológicos de hoje, quando se caminha para o teletransporte e se pode chegar, enfim, à fórmula do pó de pirlimpimpim, aquele que fazia com que seu portador fosse para onde quisesse imediatamente.
Como a antiga Grécia, por exemplo, para onde toda a turma do sítio se desloca para viver intensamente a história de "O Minotauro".
O primeiro "Sítio" é uma grata e carinhosa lembrança. Lidava-se com a fantasia de maneira consciente, uma vez que a precariedade de condições com que o programa era produzido não deixava dúvidas de que se tratava de um estúdio, de que a perna única do Saci era possibilitada por uma meia, de que o Visconde não era, claro, feito de sabugo de milho, mas sim um ator fantasiado.
Isso tudo não diminuía o encanto, e a explicação está na força da narrativa ficcional em que se baseava a série de programas.
Seria ocioso ficar aqui relacionando exemplos da criatividade e do talento de Monteiro Lobato.
A intenção, de fato, não é essa, mas sim aproveitar o ensejo do retorno do "Sítio" à TV, devidamente reformulado e atualizado, o que em princípio não é problema nenhum, a não ser que haja excesso de "tempero".
O que vale mesmo é o retorno de todo um arcabouço estético e ficcional brasileiro, com personagens ligados ao folclore nacional vivenciando situações direta ou indiretamente atreladas à nossa realidade e em cenários nos quais qualquer um poderá se situar.
Frente aos pokémons e dragões cuspidores de fogo, não deixa de ser um alento. Longa vida a Pedrinho, Narizinho, Emília, Quindin, Rabicó, Tia Anastácia...
UOL:2001
Nenhum comentário:
Postar um comentário