Emília, a boneca de pano que fala pelos cotovelos, segundo os especialistas é o alter ego de seu criador, o paulista Monteiro Lobato (1882-1948). Centro das atenções dos livros cujas histórias acontecem ou partem do Sítio do Picapau Amarelo, ela também é apontada como precursora do feminismo, tamanha a independência com que seu perfil foi costurado pelo escritor na década de 20. Intrometida, alpinista social, pois casou-se com o Marquês de Rabicó só para ter título de marquesa, ardilosa, malcriada, abusada, inteligente e muito divertida, Emília e outros deliciosos personagens que compõem a obra voltam a encantar o Brasil pela televisão na quarta versão do programa Sítio do Picapau Amarelo. No ar desde outubro do ano passado, a atração se firma como uma das melhores produções televisivas do momento. Igualmente se coloca como verdadeira mania nacional, refrescando com folclore brasileiro, fantasia e cultura a cabeça da garotada, normalmente lotada de desenhos animados histéricos e de tatibitatis de apresentadoras louras.
A primeira adaptação da obra de Lobato aconteceu na extinta TV Tupi de São Paulo, entre 1951 e 1963, ainda em preto-e-branco e ao vivo. Depois, a turma rumou para a Rede Bandeirantes em versão colorida, entre 1968 e 1969. Na Rede Globo, ficou no ar de 1977 a 1986. Ao retornar às manhãs globais, o Sítio antes passou por um processo de atualização que deixou muita gente preocupada. Afinal, como seria a doce avó Dona Benta usando e-mail ou a Tia Nastácia trocando o fogão a lenha pelo microondas? Parecia demais para a telúrica história de Monteiro Lobato. Mas as adaptações não chegam a comprometer. Luciana Sandroni, uma das roteiristas do programa, cita como exemplo o personagem Pedrinho. “Ele sempre foi mais urbano, só que hoje fala gírias, tem uma câmera digital, joga videogame. Ao mesmo tempo, adora passear no Pangaré, pescar, ouvir histórias, se aventurar na mata com o Saci”, diz ela.
Personagens do folclore brasileiro, como o Saci Pererê, fazem do programa um refresco para a cabeça da criançada
As maiores mudanças aconteceram com Emília. Nas versões anteriores, ela era interpretada por atrizes adultas, entre as quais Dirce Migliaccio. Agora, quem a encarna é a graciosa Isabelle Drummond, sete anos. Para a escritora Tatiana Belinky, 83 anos, roteirista da primeira versão dirigida e produzida pelo falecido marido Júlio de Gouveia, uma criança não dá conta da complexidade da personagem, embora elogie o talento de Isabelle. “A Emília de Lobato é muito forte. A atual é uma menina maravilhosa brincando de Emília”, explica a escritora, que conheceu Lobato pessoalmente e aponta a pioneira Lúcia Lambertini como a intérprete imbatível do papel. Especialista em Sítio, ela aplaude a nova produção, mas faz algumas críticas. “A Cuca virar perua e com cara de jacaré não dá. E ela aparece demais. No original, quase não tem destaque.” Apesar da licença de estilo, Tatiana ressalta a importância de se oferecer um programa do gênero à criançada de hoje em dia. Nicette Bruno, que interpreta a Dona Benta, concorda. “Este trabalho tem função social. É um prazer especial enaltecer a boa literatura.”
Reconhecimento não falta. A creche e pré-escola Miraflores, em Laranjeiras, na zona sul carioca, aproveitou o interesse das crianças pelo programa e instituiu a obra de Monteiro Lobato como tema de trabalho para o ano todo.
Segundo a vice-diretora Regina Rocha Lima, é surpreendente a afinidade dos pequenos com a história e seus personagens. “Outro dia, veio uma garota vestida de Emília conversar com as crianças. Elas perguntavam coisas do tipo: ‘Por que você se casou com o Rabicó, que é porco?’ Queriam entender.” No Carnaval, a escola fez o Baile do Sítio do Picapau Amarelo e a boneca Emília foi a fantasia de quase todas as meninas. O sucesso se repetiu em outros bailes carnavalescos Brasil afora e, evidentemente, na indústria de brinquedos. Lojas populares como Magal e Americanas esgotaram no Natal o estoque de bonecas Emília, em versões pequena, média e grande, com preços de R$ 20 a R$ 100.
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