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quarta-feira, 18 de abril de 2012

Com Vocês, Monteiro Lobato!



O título que dei a esta coluna foi um devaneio meu neste dia tão inspirador. Imagine se hoje, eu estivesse aqui, sentada à minha mesa na redação da CRESCER e chegasse em minhas mãos o Reinações de Narizinho. Como eu agiria? Será que seria como na crônica Felicidade Clandestina, em que Clarice Lispector nos revela maravilhosamente sobre quando finalmente conseguiu colocar as mãos neste livro? (se não leram esse texto, procurem! Está em Aprendendo a Viver, Ed. Rocco). O que eu escreveria, como eu resenharia Monteiro Lobato?!?

Estou na CRESCER já há sete anos e imaginem quantas vezes eu não falei sobre o aniversário de Lobato ou sobre ele em si. Se me cansei? Jamais! Esta é uma das maravilhas deste autor: a gente não se cansa nem mesmo de falar sobre ele. Veja aqui uma das reportagens que fizemos.

Mas eu resolvi que, neste ano, seria meu papel inspirar a leitura mais do que qualquer coisa. Sou daquelas que amam as frases, citações, e pensei que seria bem bacana listar aqui trechos para vocês se lembrarem, conhecerem ou simplesmente, lerem em voz alta alguns pedacinhos de fantasia que Lobato nos jogou certa vez, no começo do século 20, ao nos apresentar a maravilhosa turma do Sítio do Picapau Amarelo. Com vocês, Monteiro Lobato!


O meu preferido, de Memórias de Emília, na conversa da própria boneca com o sabugo de milho:
“ (...) _ A vida, Senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem para de piscar, chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme e acorda, dorme e acorda, até que dorme e não acorda mais. É, portanto, um pisca-pisca.

O Visconde ficou novamente pensativo, de olhos no teto.

Emília riu-se.

_ Está vendo como é filosófica a minha ideia? O Senhor Visconde já está de olhos parados, erguidos para o forro. Quer dizer que pensa que entendeu... A vida das gentes neste mundo, senhor sabugo, é isso. Um rosário de piscadas. Cada pisco é um dia. Pisca e mama; pisca e anda; pisca e brinca; pisca e estuda; pisca e ama; pisca e cria filhos; pisca e geme os reumatismos; por fim pisca pela última vez e morre.

_ E depois que morre? – perguntou o Visconde.

_ Depois que morre vira hipótese. É ou não é?

O Visconde teve de concordar que era.”



Um dos mais engraçados de se imaginar, de Reinações de Narizinho:
“ (...) Emília engoliu a pílula, muito bem engolida, e começou a falar no mesmo instante. A primeira coisa que disse foi: “estou com um horrível gosto de sapo na boca!”. E falou, falou, falou mais de uma hora sem parar. Falou tanto que Narizinho, atordoada, disse ao doutor que era melhor fazê-la vomitar aquela pílula e engolir outra mais fraca.

_ Não é preciso _ explicou o grande médico. _ Ela que fale até cansar. Depois de algumas horas de falação, sossega e fica como toda gente. Isto é “fala recolhida”, que tem de ser botada para fora.

E assim foi. Emília falou três horas sem tomar fôlego. Por fim, calou-se.”



Dois de A Chave do Tamanho:
“(...) O pôr do sol daquele dia estava realmente lindo. Era um pôr do sol de trombeta. Por quê? Porque Emília tinha inventado que em certos dias o Sol “tocava trombeta a fim de reunir todos os vermelhos e ouros do mundo para a festa do ocaso”. Diante de um pôr do sol de trombeta ninguém tinha ânimo de falar, porque tudo quanto dissessem saía bobagem. Mas Dona Benta não se conteve.

_ Que maravilhoso fenômenos é o pôr do sol! _ disse ela.

Emília deu um pisco para o Visconde por causa daquele “fenômeno” e resolveu encrencar.

_ Por que é que diz “pôr do sol”, Dona Benta? _ perguntou com o seu célebre ar de anjo de inocência. _ Que é que o Sol põe? Algum ovo?”



E este

“(...) Enquanto isso, Pedrinho desdobrava o jornal e lia os enormes títulos e subtítulos da guerra.

_ Novo bombardeio em Londres, vovó. Centenas de aviões voaram sobre a cidade. Um colosso de bombas. Quarteirões inteiros destruídos. Inúmeros incêndios. Mortos à beça.

O rosto de Dona Benta sombreou. Sempre que punha o pensamento na guerra ficava tão triste que Narizinho corria a sentar-se em seu colo para animá-la.

_ Não fique assim, vovó. A coisa foi em Londres, muito longe daqui.

_ Não há tal, minha filha. A Humanidade forma um corpo só. Cada país é um membro desse corpo, como cada dedo, cada unha, cada mão, cada braço ou perna faz parte uma vovó de lá, como eu, e fere uma netinha como você, ou deixa aleijado um Pedrinho de lá, me dói tanto como se caísse aqui. É uma perversidade tão monstruosa, isso de bombardear inocentes, que tenho medo de não suportar por muito tempo o horror desta guerra. (...)

Aquela tristeza de Dona Benta andava a anoitecer o Sítio do Picapau, outrora tão alegre e feliz. E foi justamente essa tristeza que levou Emília a planejar e realizar a mais tremenda aventura que ainda houve no mundo. Emília jurara consigo mesma que daria cabo da guerra e cumpriu o juramento _ mas por um triz não acabou também com a Humanidade inteira.”


“E ficou sendo”, como diria Manoel de Barros.

Vamos embarcar nessa leitura?

Feliz Monteiro Lobato para vocês!
Fonte: Crescer

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