Uma criatura do céu não pode saber nada das coisas da terra, de modo que o anjinho se mostrou de uma ignorância absoluta de tudo quanto aqui por baixo a gente sabe até de cor. Teve de ir aprendendo com Emília, a professora.
- “Árvore, sabe o que é?” – perguntava ela.
E como o anjinho arregalasse os olhos azuis esperando a explicação, Emília vinha logo com uma das suas.
- “Árvore” – dizia – “é uma pessoa que não fala; que vive sempre de pé no mesmo ponto; que em vez de braços tem galhos; que em vez de unhas tem folhas; que em vez de andar falando da vida alheia e se implicando com a gente (como os tais astrônomos) dão flores e frutas. Umas dão pitangas vermelhas; outras dão laranjas doces ou azedas – e é destas que Tia Nastácia faz doces; outras, como aquela enorme ali (as lições eram sempre no pomar) dão umas bolinhas pretas chamadas jabuticabas. Vamos, repita: ja-bu-ti-ca-ba…”
O anjinho atrapalhava-se e repetia errado: ja-ti-bu-ca-ba…fazendo Emília rolar de rir.
As perguntas do anjinho eram sempre de uma infinita ingenuidade.
- “Mas por que essas tais árvores nunca saem do mesmo lugar?”
- “Por que têm raízes” – explicava Emília. – “Raiz é o nome das pernas tortas que elas enfiam pela terra adentro. Bem que querem andar, as pobres árvores, mas não conseguem. Só saem do lugarzinho em que nascem quando surge o machado.”
- “Que animal é esse?”
- “Machado é o mudador das árvores, muda a forma delas, fazendo que o tronco e os galhos fiquem curtinhos. Muda-lhes até o nome. Árvore machadada deixa de ser árvore. Passa a ser lenha. Le-nha. Repita.”
- “É algum deus esse machado tão poderoso assim?”
Emília ria-se, ria-se…
- “Deus, nada, burrinho! É antes um diabo malvadíssimo, mas diabo sem chifres, sem cauda, sem pés de cabra, sem cabeça, sem braços. Só tem corte e cabo…”
- “Que é cabo?”
- “Cabo é uma perna só, por onde a gente segura. Faca tem cabo. Garfo tem cabo. Bule tem cabo (e bico também). Até os países têm cabo, como aquele famoso Cabo da Boa Esperança que Vasco da Gama dobrou; ou aquele Cabo Roque, da Guerra de Canudos, um que morreu e viveu de novo. Os exércitos também têm cabos. Tudo tem cabo, até os telegramas. Para mandar um telegrama daqui à Europa os homens usam o cabo submarino.”
O anjinho ficava de boca aberta, sem entender coisa nenhuma.
- “Então o ‘submar’ também tem cabo?”
- “Como não? E compridíssimos, que vão de um continente a outro.”
- “E é por esses cabos que a gente pega no mar?”
Emília ria-se, ria-se. O pobre anjinho não tinha ideia nenhuma das coisas da terra, porque sempre vivera no céu, lá nas nuvens. Emília era obrigada a explicar tudo, tudo…
(Trecho retirado do livro Memórias da Emília)
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